quinta-feira, 3 de julho de 2014

Duras lições do Brasil

A participação absolutamente falhada e quase patética da selecção nacional neste Mundial tem evidentemente mais do que uma causa. No entanto, toda a história d' "o melhor do Mundo" e o circo que consequentemente se montou à volta a selecção foi algo de muito nocivo.

A derrota desastrosa contra a Alemanha e a insistência dos jogadores e técnicos em que não tinham que mudar nada marcaram definitivamente o nosso destino no Mundial - e deveriam marcar o fim de ciclo para alguns.

Se alguém se der ao trabalho de ir ler tudo o que eu escrevi desde o início do Mundial, verifica que infelizmente antecipei no que se ia passar. Desde a insistência num meio campo que claramente não chegava à "Ronaldomania" identifiquei as duas principais fraquezas desta selecção. A lição tem que ficar para o futuro.

Comecemos pelo princípio: a convocatória.

Paulo Bento não pode inventar nem contratar jogadores. Postiga, Hugo Almeida e o próprio Éder não acrescentam praticamente nada à nossa selecção mas são o que temos. Não há mais.

No meio campo talvez Adrien pudesse ter sido convocado. Na defesa Antunes deveria claramente te-lo sido. Mas essas situações pontuais dificilmente teriam um impacto significativo na nossa participação no Mundial.

Já quanto ao 11 a questão é diferente.

Paulo Bento cometeu erros que eu identifiquei em tempo devido, tal como aliás muitos comentadores e observadores. Meireles (não é por ter sido do Porto, porque na selecção não há clubes) claramente já não tem condições para estas andanças. Veloso perdeu muita "intensidade" na Ucrânia e também já não é jogador de selecção. Dia 17 de Junho eu escrevi isso mesmo e também que William e Amorim deviam entrar na equipa. Escrevi antes do jogo com os EUA. Paulo Bento também achou isto mas apenas depois do jogo com os EUA, quando estávamos já praticamente eliminados.

Também achei que, face á pobreza dos nossos pontas de lança, Ronaldo devia jogar no meio abrindo uma vaga para Varela ou Vieirinha. Isso traria a vantagem adicional de proteger o flanco esquerdo, que com Ronaldo a não recuar, ficava entregue apenas ao lateral esquerdo. Paulo Bento percebeu o problema mas não optou por esta solução, ou fê-lo apenas parcialmente. Não sabemos se terá sido o próprio Ronaldo a não querer esta solução. O que nos leva ao ponto seguinte.

É evidente que sem Ronaldo Portugal com toda a probabilidade não teria estado no Mundial. O seu hat trick na Suécia (que juntou ao golo da primeira mão em Lisboa) marca um exibição memorável e uma noite para recordar. Ninguém lhe tira esse mérito.

Mas a selecção tem que estar acima de todos os indivíduos. Este ano isso não aconteceu. Esta foi a selecção de Ronaldo e seus acólitos, constantemente a repetirem que ele era "o melhor do mundo" e sempre preocupados em darem-lhe a bola, mesmo quando estavam em melhor posição para finalizar. Isso foi desastroso para a selecção. É verdade que foi um pouco assim que vencemos a Suécia. É verdade que com um jogador da qualidade de Ronaldo essa tentação existe. É verdade que provavelmente os jogadores (com excepção de Nani) sentiam que eles próprios não tinham capacidade para finalizar, passando a responsabilidade para Ronaldo. Mas isso não pode ser uma estratégia de jogo. Pelo contrário tem que ser contrariado. As equipas têm antes de mais que ser um colectivo harmonioso. Só assim se destacam depois os talentos.

Ronaldo fez o que conseguiu mas há que perceber que dadas as suas características, o estilo do seu futebol e a sua personalidade, ele não tem (pelo menos por agora) perfil de líder dentro e fora de campo. Messi ou Neymar, pelas suas características de condução de bola, têm mais influência nas suas equipas do que o capitão português.

Mas se o mediatismo do melhor jogador português não foi bem gerido, já o circo que se montou à volta da selecção não é de modo nenhum sua culpa. Entrevistas constantes, directos a toda a hora e momento, nomeadamente dos treinos, com as imagens a chegar a todo o mundo, treinos à porta aberta, tudo isso não constitui de forma nenhuma um ambiente normal e propício à concentração exigida. Chegou-se ao cúmulo do ridículo de se "entrevistar" Ronaldo durante um treino para lhe perguntar "Ronaldo, tudo bem?". Parecia que se estava no café. Aí as responsabilidades têm que ser repartidas entre a FPF (que certamente fez este acordo com RTP e Sporttv para se promover e provavelmente receber mais uns dinheiros) e Paulo Bento (que não protegeu devidamente o seu grupo e a sua própria pessoa). Após os jogos o seleccionador via-se obrigado a falar por 3 e até 4 vezes às televisões! Isso é absurdo. Para além de ser filmado o jogo inteiro o que também o expõe em demasia.

Por último, há que pensar seriamente no futuro do futebol português e sobretudo do jogador português. Os níveis mínimos de portugueses nos três grandes são preocupantes. Esperemos que a aposta da formação do Benfica seja para ter sequência e continuidade e que cada vez mais jogadores formados no clube possam chegar à equipa principal. Sem essa base consistente não será certamente com jogadores a jogar no Chipre, na Grécia ou na Turquia que poderemos ter uma selecção muito competitiva.

Há pois que aprender lições deste Mundial. Precisamos de mais trabalho de base, de mais humildade, de mais cabeça e de menos espectáculo, menos mediatismo, menos declarações bombásticas, menos expectativas. Menos individualismo e mais espírito de grupo. Representar Portugal tem que ser encarado com um sentido de responsabilidade que esteve algo ausente deste grupo de jogadores e dirigentes que se julgaram por momentos as principais vedetas.

5 comentários:

  1. Frank, podias corrigir ou concluir esta parte: "tudo isso não constitui de forma nenhuma um ambiente normal e propício à concentração exigida. Chegou-se ao Aí as responsabilidades têm que ser repartidas entre a FPF(...)".

    Dá ideia que ias dar um exemplo mas a ideia ficou cortada.
    Obrigado.

    O texto está interessante.

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    1. Muito obrigado Carlos. Essa situação já está corrigida.

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  2. Com egos tão inchados, a começar no facturas e acabando no médico, passando por craveiros, Humbertos, Joões Pintos, jogadores de conta bancária cheia, empresários sempre sedentos e azeiteiros com a corda na garganta, aquela coisa redonda a que chamam bola e onde é preciso dar uns pontapés, só estorva!

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    1. É verdade. Houve um outro aspecto que me esqueci de referir: a goleada à Irlanda nas vésperas do Mundial. Na verdade foi uma péssima coisa que nos aconteceu porque precisamente contribuiu para esse inchar do ego e mentalidade de vedetas. Os golos apareceram com tal facilidade que todos se convenceram de que eram óptimos, quase uma espécie de globetrotters que já jogavam para o espectáculo. Assim que a dura realidade (os poderosos teutónicos) se abateu sobre nós esse balão esvaziou imediatamente. E nunca mais recuperámos.

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    2. Quanto ao médico penso que não foi tanto vedetismo mas mais um sentir-se afectado pelas críticas que considerava injustas. Não sei bem o que pensar sobre as lesões mas não creio que o médico tenha muitas culpas, até pelo que ele revelou em termos do aviso que deixou à equipa técnica sobre o elevado "índice lesional" de uma série de jogadores.

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