A situação presente
O Benfica encontra-se a meu ver numa situação gravíssima que coloca em causa o futuro próximo do clube. Não que o Benfica vá acabar ou falir, obviamente. No entanto existe um risco real de não sermos competitivos nos próximos anos / década.
Isto porque foi feito um investimento de alto risco, que não deu os resultados esperados, foi aumentada a despesa a níveis perigosos e as receitas desceram a pique devido ao Covid (e assim se manterão no futuro próximo). O Benfica não irá com toda a probabilidade à Liga dos Campeões no próximo ano (como não foi este) e o seu plantel, pago a peso de ouro, terá uma desvalorização brutal. Portanto as receitas extraordinárias também não salvarão a situação. Mas os salários estarão lá na mesma... Como resolver? Vendendo, desinvestindo. Mas essas vendas serão sempre por baixos valores, porque os jogadores não rendem e não estão na principal montra internacional.
As causas
A principal causa é a total falta de liderança, a completa incapacidade de Vieira para tomar decisões estratégicas acertadas. Tudo começa aí e tudo deriva daí.
Vieira foi durante alguns anos (poucos) um bom gestor de expectativas e de um modelo empresarial de valorização de jogadores e maximização das receitas que a marca Benfica facilita. Com bons "olheiros" ou scouts, o Benfica comprava relativamente barato e vendia caro. Isto não começou com Vieira (ao longo das décadas o Benfica teve, por exemplo, defesas centrais titulares da selecção do Brasil, jogadores de classe mundial) mas com ele adquiriu uma componente empresarial. Também se soube usar o benfiquismo dos adeptos para aumentar as vendas de merchandising.
No entanto essa política de comprar barato e vender caro (David Luiz, Di Maria, Rodrigo, Gaitan) e de formar jogadores - que tem que ser a política dos clubes portugueses pois não podem competir com os colosssos financeiros europeus - foi completamente invertida nos últimos anos.
Essa é outra dimensão da (não) liderança errática de Vieira. Quando o sucesso desportivo chegou, com a primeira passagem de JJ pelo clube, a porta de entrada para os jovens da formação estava praticamente fechada. São famosas as frases de JJ sobre o assunto, como por exemplo a de que os jogadores da formação teriam que "nascer várias vezes" para poderem estar ao nível de Matic (efectivamente um grande jogador). E são conhecidos os casos de Cancelo ou Bernardo Silva, apenas para citar os mais famosos. JJ queria jogadores "feitos".
Depois JJ saiu supostamente porque o Benfica ia passar a apostar no Seixal. E vários jogadores de qualidade ascenderam, como por exemplo Lindelof e Gonçalo Guedes. Com Bruno Lage (que ficaria no Benfica por "muitos e bons anos"), essa aposta ainda se acentuou mais com a dupla de centrais Rúben/Ferro, entre muitos outros.
Regressado JJ, a "aposta" na formação acabou - mas o "modelo de negócio" (porque é disso que se trata realmente para os actuais dirigentes do SLB) já tinha mudado antes. As contratações de Raúl de Tomás, Weigl e Pedrinho, todas por 20 milhões de euros e anteriores a Jesus, marcaram uma mudança de paradigma que neste ano atingiu o seu expoente máximo. O Benfica passou a contratar caro.
Estas contratações foram apresentadas como o "dar o salto", especialmente no caso de Weigl, para passar a ser um clube comprador no mercado europeu e adquirir uma dimensão também europeia no seu futebol. Ou seja, o Benfica já tinha (supostamente) o domínio do futebol nacional e iria agora com estas contratações subir a um novo patamar de competitividade, batendo-se com os grandes europeus.
Com isto tocamos numa outra causa da crise do Benfica, intimamente ligada à falta de liderança, que é a da política de contratações errada, tema que fica para o próximo post.
O problema da liderança, para além dos factores da personalidade de Luís Filipe Vieira, tem também a ver a segunda causa da crise: os múltiplos casos judiciais.
Graças a Luís Filipe Vieira, o Benfica viu o seu nome envolvido em múltiplos casos judiciais. Houve buscas, denúncias anónimas, há processos, e várias suspeitas. Isto enfraquece a imagem e a influência do Benfica nos órgãos decisórios.
Não gostei de saber que o Benfica oferecia vouchers aos árbitros. Não me parece uma prática salutar. Gosto de pensar no Benfica como um clube impoluto que não recorre a esquemas e expedientes pouco claros. Desde que o caso veio a público, veio-se a saber que vários outros clubes têm práticas semelhantes (alguns tiveram outras bem piores, como sabemos), o que atenua o caso mas mesmo assim deixa sempre um gosto desagradável.
O problema é que as coisas não ficaram por aqui. Houve depois o caso dos emails, o e-toupeira, o caso lex e alegadamente outros relativos a denúncias de subornos (jogos viciados e mala ciao).
Quero deixar claro que na análise que faço dos diferentes casos, com base no que tem vindo a público, não me parece existir matéria de facto para tanto ruído. Uns bilhetes dados a uns funcionários para quebrar o segredo de justiça (que toda a gente faz e nunca se provou que fosse para obter qualquer benefício), um caso em que Vieira queria receber das Finanças dinheiro que aparentemente lhe era devido e conversas truncadas obtidas através da violação de correspondência privada que também nunca provaram coisa nenhuma, a não ser que existiam "cartilheiros". Quanto aos processos por subornos não quero sequer admitir que existam ou pelo menos que tenham a mais pequena credibilidade. Isso seria o fim.
Dito isto, sobram dois problemas: 1) será que há uma conspiração da justiça e das polícias contra LFV, ou pelo contrário haverá um conjunto muito alargado de suspeitas sobre as actividades do mesmo e estes são os casos em que se conseguiram obter indícios para acusações?; 2) não será evidente que estes casos enfraquecem LFV e por arrastamento o Benfica? É que à mulher de César não basta ser séria, tem que o parecer também. Aqui há a suspeita de que nem uma coisa nem outra.
Sem ter respostas definitivas para as perguntas, porque para além de observar que o Benfica é um grande negócio para muitos e que este é o seu principal interesse para estarem no clube, não tenho provas concretas de que Vieira ou qualquer outro elemento da direcção (em que não se incluem obviamente motoristas traficantes de droga) estejam envolvidos em actividades criminosas. Não deixa no entanto de ser estranho que existam tantos casos, tantos rumores e tantas suspeitas.
Do que não tenho dúvidas no entanto é que estes casos prejudicam e enfraquecem o Benfica, retiram-lhe força moral e são grande parte da razão pela qual a nossa equipa de futebol é claramente prejudicada pelas arbitragens e pelas instâncias decisórias do futebol em Portugal.
Será que nada disto ocorre a LFV? Será que nunca pensou que as sombras que o envolvem se projectam sobre o clube? Uma pessoa inocente e que amasse o Benfica preocupar-se-ia com isso e tentaria proteger o clube. Pelo contrário uma pessoa que estivesse comprometida poderia ter a tentação de usar o clube como escudo protector. Uma tal pessoa tenderia a manter-se em silêncio e a não agitar as águas.
Assim, é legítimo perguntarmo-nos se estes casos (e eventualmente outros que desconhecemos) estão também na origem do silêncio do Benfica perante os roubos arbitrais que se vão acentuando jornada a jornada, ao passo que os rivais se manifestam com grande vigor ao mínimo prejuízo das suas equipas (que nalguns casos inclusivé existem apenas nas suas cabeças).
(CONTINUA)