Depois de algumas exibições menos conseguidas e uma derrota escandalosa com o Qarabag, Rui Costa viu-se em apuros, atendendo a que as eleições estavam à porta. Foi pelo caminho do costume, o de despedir o treinador (possivelmente após "sentir o balneário" também). Com duas apostas erradas em dois anos seguidos, Rui Costa pensou que não podia falhar de novo e foi buscar o treinador português com maior nome e currículo da história. A oportunidade estava alí (se calhar tinha sido alimentada) e matavam-se dois coelhos de uma cajadada.
Nas eleições os sócios optaram pela continuidade, mas pesaram igualmente dois outros factores: Mourinho e a falta de alternativa. Em relação ao segundo factor, estou à vontade: por diversas razões que não importa aqui enumerar, Noronha Lopes contaria com o meu apoio "natural". Mas a verdade é que a sua campanha foi uma completa desilusão a vários níveis. Para começar. não mostrou a liderança necessária para presidir a uma instituição como o Benfica. Mas além disso apresentou Nuno Gomes como figura de destaque da estrutura do futebol do Benfica. Ora, qualquer pessoa minimamente atenta, por muito que possa gostar de Nuno Gomes, percebe que ele não tem o perfil, a personalidade ou os conhecimentos para desempenhar um tal papel.
Por isso entendo a decisão dos sócios: Rui Costa entrou num período conturbado, é benfiquista de coração, após 4 anos tem mais experiência, foi buscar Mourinho, não existe uma alternativa verdadeiramente consistente, nos debates foi mais presidenciável, vamos-lhe dar um mandato claro para poder ter uma presidência forte nos próximos 4 anos.
O problema é que a dinâmica que se pretendia criar foi imediatamente arruinada com uma derrota com o Leverkussen e um empate com o Casa Pia. Ambos os jogos em casa.
A esperança dos benfiquistas em Mourinho é a mesma que a minha (que fui no passado extremamente crítico do setubalense e cheguei mesmo aqui a escrever, noutra altura, contra a sua vinda): a de que alguém que tem tanta experiência no futebol mundial e tantos títulos seja capaz de colocar o Benfica num patamar superior. Claramente Mourinho sabe mais de futebol a dormir do que eu acordado. Acreditei (acreditámos todos) que o evidente declínio na sua carreira, não fosse tão acentuado que o impedisse de fazer um bom trabalho no Benfica e, mais até do que isso, que o Benfica pudesse mesmo marcar um ponto de viragem para um novo possível ciclo vitorioso.
Agora a questão que se coloca é se prevalecerá esse cenário (que faz sentido) ou se pelo contrário se confirmará um declínio irreversível e, neste caso, mesmo a última oportunidade de Mourinho de treinar um grande clube (ele próprio em decadência - há já muitos anos, para não dizer décadas) e ter sucesso. Para já os sinais vão no sentido da segunda possibilidade.
O dilema que se coloca a Rui Costa é quanto tempo deverá dar a Mourinho para poder dar à volta à situação. Sejamos honestos: esta época está perto de estar perdida. A qualificação na Champions é uma mera ilusão e o campeonato também começa a ficar muito difícil. Mas mais ainda do que isso, a qualidade de jogo do Benfica é menos do que sofrível. Diz-se que os jogadores não prestam, que o plantel é desequilibrado. Quando chegou ao Benfica Jorge Jesus disse que ia colocar os jogadores a jogar o dobro. E conseguiu talvez mais do que isso. Neste momento Mourinho colocou os jogadores a jogar metade do que fizeram com Lage.
Note-se que não estou a proferir um juízo definitivo. Ainda quero acreditar no primeiro cenário. Mourinho merece respeito, mais que não seja pelo currículo.
Em Inglaterra Amorim fez uma primeira época (incompleta) absolutamente atroz no United, começou pessimamente a segunda época e teve recentemente o apoio do principal diretor do clube, após o que a coisa melhorou e poderá ter começado a encarrilar.
A minha perspectiva é de que este é o ano zero de Mourinho e lhe deve ser dada tolerância (não se criando a instabilidade do costume no Benfica). Mas para isso os sócios terão de ser bastante pacientes.
Se as coisas começarem a derivar muito, se o Benfica perder, em breve, a possibilidade de disputar o título, se perder em casa com o Sporting de forma clara, se for eliminado da Taça por um outro Atético ou se acabar a fase de qualificação da Champions em último lugar, terá Rui Costa a capacidade de segurar Mourinho? E se este começar a disparar em todas as direções (como fez no Fenerbahçe) ou a criticar os próprios sócios (como fez Schmidt), algo que os benfiquistas não aceitam (porque são "os melhores adeptos do mundo")?
Uma outra nota: o segundo ano de Mourinho costuma ser bom, mas o terceiro não. Depois do segundo ano os jogadores começam a dar sinais de cansaço com os métodos. A personalidade muito marcada de Mourinho leva a isso. Esse é mais um factor para Rui Costa ter em conta.
Mas o dilema do Benfica é outro. É um dilema de identidade. E esse não será resolvido nem por Rui Costa, nem por Mourinho. O Benfica foi capturado, quer ao nível dos dirigentes, quer dos associados, por interesses que são contraditórios com a sua própria matriz mas que são demasiado poderosos para ser desalojados sem criar uma crise profunda. No entanto enquanto isso não for resolvido o Benfica não voltará a viver os seus dias de glória.
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