terça-feira, 22 de junho de 2021

Selecção à espera de um milagre

 

Cristiano Ronaldo tem carregado a selecção neste Europeu. Está na altura de outros jogadores mostarem a qualidade que têm. Bruno Fernandes, por exemplo. Os próprios centrais não têm estado ao seu nível. Imagem de "O Jogo".


O jogo com a Hungria (e outra exibições anteriores) vieram dar-nos esperanças legítimas de alcançar algo de importante neste Europeu. Afinal de contas somos campeões em título e a maior parte dos nossos jogadores são titulares das maiores equipas do mundo. Rúben Dias foi eleito o melhor jogador da Premier League, Bruno Fernandes foi o mais decisivo dos jogadores do United, Jota fez uma época excepcional no Liverpool, como Pepe no Porto, Palhinha no Sporting e ainda as revelações Nuno Mendes e Pedro Gonçalves. Temos jogadores com passado na selecção, que já deram mostras da sua capacidade no passado, desde Moutinho a Danilo e William. Temos a qualidade de jogadores como Renato, Bernardo, João Félix. Isto para além de Sérgio Oliveira, Rúben Neves, Rafa ou André Silva. E, claro, temos Cristiano. 

Ou seja, temos matéria prima, uma selecção bastante nivelada por cima, e um treinador que já alcançou feitos históricos.

O primeiro problema prendeu-se com a ausência forçada de Cancelo. Isto porque Cancelo tem uma capacidade atlética, uma velocidade e um andamento que Nélson Semedo neste momento está muito longe de possuir. Cancelo era um jogador diferenciado nesta selecção, dáva-nos uma capacidade de carregar jogo pela direita e fazer rupturas que é muito difícil de substituir.

O segundo problema prende-se com as características de Fernando Santos: as mesmas características que nos conduziram ao sucesso estão agora a "amarrar" a selecção. Isto porque o nosso treinador é por natureza conservador e cauteloso, tendo encontrado uma fórmula que funcionou até aqui (excepção feita ao Mundial 2018) mas que parece agora mostrar todas as suas limitações.

Em 2004, após a derrota com a Grécia, Scolari operou uma revolução no 11, tendo os "consagrados" dado lugar a jogadores mais novos que tinham outra capacidade física e outra fome de vitórias.

Em 2021, a selecção começou bem, pelo que não parecia haver necessidade de mudar. No entanto a derrota pesada e sobretudo a forma como a selecção foi cilindrada pela Alemanha expuseram demasiado as fragilidades de jogadores como William, Danilo e, a partir daí, dos laterais - e até dos centrais. Faltou - e muito - capacidade física e atlética à nossa equipa. Sobretudo no plano da velocidade e da agressividade, Portugal foi altamente deficitário. Chegámos sempre demasiado tarde e andámos sempre a correr atrás da bola e dos jogadores alemães que basculavam o jogo a seu belprazer, colocando bolas nas costas dos nossos laterais e depois na zona de finalização com a maior das facilidades.

Ou seja, uma circulação de bola muito dinâmica e jogadores fisicamente poderosos e rápidos a executar, colocaram a nu as limitações dos jogadores (e sistema) demasiado posicionais de Portugal.

Agora Santos ficou colocado perante um dilema: por um lado, mudar tudo na última jornada da fase de grupos, colocando em campo jogadores que não têm quaisquer rotinas de jogar juntos, é um risco muito grande. Por outro lado, não mudar nada, especialmente depois de todo o mundo ter visto quais as nossas fragilidades é receita quase certa para o fracasso.

É evidente que Palhinha e Renato Santos teriam tido desde o início do jogo contra a Alemanha uma capacidade de disputa da bola e do jogo a meio campo que William / Danilo nunca tiveram. Até Sérgio Oliveira e Moutinho têm mais capacidade de choque e mobilidade do que esta dupla.

No entanto apenas Renato entrou na segunda parte (para o lado direito do meio campo) e, como já referi, é uma aposta arriscada colocar este e Palhinha simultaneamente contra a França, jogo que aliás terá características diferentes do contra a Alemanha.

Depois há a questão dos laterais: Rafael Guerreiro foi demasiado frágil, faria sentido substitui-lo por Nuno Mendes que tem outra dimensão física. (Nélson foi mais vítima do sistema do que propriamente culpado na minha opinião). No entanto Fernando Santos é conservador e tenho dúvidas que o faça.

Outra coisa que já poderia ou deveria ter sido feita era tentar soluções alternativas para o lugar de Bruno Fernandes que tem passado completamente ao lado dos jogos. Claro que é um grande talento e compreende-se que tenha entrado como titular, mas nesta fase e face à ausência de rendimento já deveriam ter sido testadas mais opções. Pedro Gonçalves (Pote) fez uma grande época, foi o melhor marcador do campeonato e é um jogador muito bom a furar as linhas defensivas adversárias, a aparecer onde não se espera e depois a finalizar. Bernardo pode jogar ali, assim como o próprio Félix, este com outras características.

Em suma, Fernando Santos tem estado bastante agarrado, quase amarrado às suas ideias originais e tem dado pouco espaço para outros jogadores se afirmarem. Essa é a sua fórmula, que trouxe sucesso, pelo qual todos os portugueses lhe devem estar muito gratos. No entanto, se era para jogarem sempre os mesmos para quê convocar tantos médios?

Parece-me que é chegada a altura de constatar algumas evidências e fazer algumas alterações.

Dito isto, seja qual for a equipa, será difícil alcançar um resultado positivo contra a França. É o campeão do mundo, tem um meio campo e um ataque de luxo e fisicamente é mais poderosa do que Portugal. Especialmente nesta fase em que estamos muito pressionados e com a confiança muito abalada por uma derrota que poderia ter sido ainda mais humilhante se a Alemanha não tem abrandado (de propósito), é muito difícil não perdermos o jogo.

Com jogadores como Mbappé, Griezman e Benzema, o golo pode aparecer a qualquer momento. Nos últimos jogos a França teve dificuldades em concretizar (apenas dois golos, um marcado pela Alemanha na própria baliza) mas isso pode mudar a qualquer momento. Esperemos apenas que não seja contra Portugal.

Mas acima de tudo esperemos outra coisa: que os nossos jogadores se superem, ultrapassem o trauma da derrota contra a Alemanha e possam inverter a dinâmica negativa criada por esse jogo. Temos que recordar aquilo por onde comecei: somos campeões em título - não o fomos por acaso - e os nossos jogadores estão ao nível dos melhores do mundo. 

É preciso abandonar de vez a mentalidade de pequeninos e abraçar uma mentalidade competitiva, combativa, vencedora. Não podemos voltar a deixar-nos intimidar e amedrontar como aconteceu contra a Alemanha. Para isso Fernando Santos tem também que alterar algumas coisas e dotar a equipa de armas que não tivemos contra a Alemanha. Amanhã é o dia. Se não o fizermos, não haverá outro relativamente ao Europeu e iremos para casa de mãos a abanar.

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