Aparentemente, uma crónica deslocada e até despropositada de Sílvio Cervan deu aos catalães razões para querer "humilhar" o Benfica.
Não que precisassem de muitas. De facto o Barcelona, um dos clubes com mais troféus europeus e que nos últimos anos tem tido quase a hegemonia do futebol europeu continua a chorar e a considerar injusta a derrota que sofreu numa final há 50 anos, numa das duas únicas vezes em que conseguimos conquistar a antiga Taça dos Campeões Europeus. "A final dos postes" é assim que no museu do clube catalão é classificado esse jogo, naturalmente histórico para o Benfica que, apesar da sua dimensão, tem um rol de títulos internacionais muito mais modesto do que o Barcelona. Mas mesmo esses poucos que tem, para os barcelonistas são demais. Esquecem, pelos vistos, ou consideram muito justas, a forma como obtiveram algumas das suas vitórias, nomeadamente ultrapassando numa meia final o Chelsea num jogo em que o árbitro não quis marcar pelo menos dois penalties flagrantes contra o Barcelona e que este acabaria por ganhar com um golo no último minuto de Iniesta. Suponho que no museu do Barcelona essa não esteja catalogada como a "saga dos penalties não marcados".
Mas voltemos a Sílvio Cervan. Numa crónica no jornal "A Bola", Cervan considerou que "o Barcelona não foi sério" no jogo contra o Celtic, que perdeu por 2-1. Não me parece (nem a mim nem a ninguém) que Cervan tenha razão. O Barcelona dominou amplamente esse jogo e teve pouca sorte, com o Celtic a marcar praticamente nos dois ataques que teve (um deles num canto). Mas ir pegar nessa crónica para encontrar aí razões para "dar ao Benfica uma grande lição" já me parece um pouco exagerado. Por várias razões, em que se inclui a simples modéstia - o Benfica não é assim tão incapaz quanto isso que o Barcelona tenha o jogo à partida ganho, tratando-se apenas de saber se acelera mais ou menos para dar essa tal "lição".
Da Catalunha haverá também algo mais a dizer. Em primeiro lugar, há ali uma certa antipatia anti-portuguesa que dificilmente se justifica, tanto mais que em Portugal existiu e ainda existe muita simpatia pelo Barcelona. Existe ali um ódio tremendo a Mourinho (por razões explicáveis mas também por exageros e sensibilidades desmesuradas, fazendo uso de dois pesos e duas medidas e não aplicando a eles próprios a mesma bitola que aplicam a Mourinho - a quem nada perdoam). Existe um ódio a Figo, que é verdade que sempre foi muito materialista na sua carreira e nem sempre se pautou por princípios éticos. Ainda assim Figo fez o que muitos outros fizeram e o ódio que lhe devotaram excedeu qualquer outra manifestação de desagrado por uma mudança para o rival. Novamente poderá haver aqui algum anti-portuguesismo à mistura.
A Catalunha não conseguiu ser independente de Castela (Madrid) e talvez isso explique alguma coisa. Não temos porém culpa disso nem sequer somos parte dessa equação. Mais natural seria até que a Catalunha olhasse para nós com respeito por termos alcançado e mantido a nossa soberania, apesar da desproporção de forças com Castela, mas pelos vistos não é o caso.
Nalguma imprensa catalã, para além das razões citadas, chega-se a dizer que o Barcelona "deve" ao Celtic, aparentemente um clube que lhes é muito mais querido, vencer o Benfica. No mínimo isso é estranho, pois se as contas estão como estão é precisamente porque o Barcelona perdeu um jogo que era "suposto" ganhar, "dando" ao Celtic 3 pontos inesperados. Não se percebe como é que vencer o Benfica é assim algo que se "deva" ao Celtic. A não ser que eliminar o Benfica fosse um objectivo do Barcelona, perante o que - aí sim - Cervan teria alguma razão.
Diz-se ainda ("Mundo desportivo") que o Benfica nos "últimos minutos" do jogo da Luz usou de uma dureza desnecessária, pelo que se impõe agora a tal "sova". Ora, se houve coisa que o Benfica foi nesse jogo foi macio. Mais só mesmo se estendesse uma passadeira vermelha aos barcelonistas (e alguns benfiquistas dizem até que foi isso que aconteceu). Foi pouco duro e fez pouquíssimas faltas - a dada altura até o Barcelona tinha mais faltas feitas!
Por fim, o tal desportivo da Catalunha fala ainda (!) de vingança (pela nossa vitória de há 50 anos...).
Cá em Portugal eu conheço já esta mentalidade. Pelos vistos temos um clube que em Espanha (sim, ainda são Espanha!) partilha o mesmo discurso e mentalidade. A seu favor tudo é legítimo e normal, contra si tudo é um atentado insuportável.
Para o Benfica, estão em jogo duas coisas quarta-feira em Nou Camp.
A sua continuidade na Champions e a sua dignidade. Uma vitória do Benfica garantiria automaticamente a qualificação. Essas são as nossas verdadeiras razões para ganhar esse jogo. Não precisamos de encontrar justificações ou explicações para ganhar e "humilhar" o adversário. Não partimos com a arrogância de quem acha que já ganhou à partida, que os outros são meros figurantes no jogo, que merecem ser "punidos" por se atreverem a dizer seja o que for.
O jogo começa 0 a 0. E o Benfica não entrará derrotado.
Não é impossível vencer em Barcelona.
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