quinta-feira, 10 de maio de 2012

O que é o "sistema"? - Parte I

1. A expressão "sistema", aplicada à falta de verdade desportiva no futebol português foi pela primeira vez usada por Dias da Cunha, ex-presidente do Sporting.

Para ele, o "sistema" tinha "dois rostos: Valentim Loureiro e Pinto da Costa" (entrevista à RTP, 2004). Mais tarde acrescentaria um terceiro: Joaquim Oliveira, então patrão da Olivedesportos e portanto da Sporttv.

Oliveira é hoje dono da Controlinveste, que detém participação maioritária nos seguintes orgãos de comunicação: "O Jogo", TSF, "Diário de Notícias", SPORTTV, "Jornal de Notícias" e ainda participações na Agência Noticiosa Lusa e na Agência de viagens Cosmos (agente oficial UEFA para a Península Ibérica). Nos últimos tempos Joaquim Oliveira tem cultivado as relações com o poder político e ganho uma aura de maior respeitabilidade.

Fica assim caracterizada a primeira peça do sistema.

2. As suspeitas levantadas por Dias da Cunha (na verdade o que se passava estava à vista de todos), as denúncias que o presidente do Benfica Luís Filipe Vieira fez (disse ter entregue um dossier à PJ) e as acusações de Carolina Salvado levaram ao processo Apito Dourado, que culminou com várias condenações. Estranhamente porém, o processo é "parado" na relação do Porto, conduzindo à impunidade dos condenados. Não sou eu que o digo:

http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=45649

De qualquer forma, e através da coragem de Hermínio Loureiro, há um processo disciplinar autónomo (Apito Final) que, ainda que demasiado brandas, impõe condenações aos clubes corruptores, nomeadamente o Porto (e seu presidente) e o Boavista.

Pinto da Costa é castigado e o seu poder no futebol parece desagregar-se. Parece finalmente iniciar-se uma era de transparência e responsabilização no futebol português. Puro engano.

3. Trinta anos depois, o sistema assume uma nova vida. Com - é importante dizê-lo - a colaboração passiva do Benfica, que acreditou demasiado ingenuamente em histórias da "carochinha". Com efeito, o Benfica cometeu um erro colossal ao apoiar Fernando Gomes para a presidência da Liga (e agora da Federação), acreditando que a suposta "zanga" entre este e Pinto da Costa era um sinal de que Gomes defendia a transparência. A dimensão desse erro manifestou-se logo no primeiro acto oficial de Fernando Gomes como presidente da Liga - a demissão de Ricardo Costa, então presidente da Comissão Disciplinar da Liga. Com essa acção, Gomes mostrou desde logo a todos os agentes do futebol onde estava o poder e implicitamente deu razão ao Porto e às suas queixas quanto ao "túnel", às vigílias e a outros momentos lamentáveis do futebol português. Castigos ao Porto pelo ambiente de terror, bolas de golfe, apedrejamentos, galinhas em campo e outros comportamentos inqualificáveis nem vê-los.

(A este propósito, um à parte: Rui Moreira, antes de abandonar o Trio d'Ataque da RTP, defendeu que Hulk não poderia ser castigado, baseando-se na tese de que os stewards não são agentes do jogo. O que os agredidos deveriam fazer, disse Rui Moreira na altura, era apresentar queixa junto do Ministério Público. Ora, quando a imprensa noticiou que o Ministério Público decidira avançar com processos-crime contra os jogadores do Porto, Moreira escreve, na sua crónica d' "A Bola", que estamos perante uma "vergonha". Fica tudo dito sobre o carácter e a honestidade mental desta figura pública.)

4. A conclusão é que o capital conquistado pelo Benfica com a vitória no campeonato em 2010, o élan daí resultante, tudo se perde. A mensagem de Fernando Gomes tinha passado e os árbitros haviam-na compreendido. A época "perfeita" do Porto de Villas-Boas muito se ficou a dever ao conforto que desde cedo a sua equipa sentiu, como quem tem as costas quentes, com arbitragens inqualificáveis nas primeiras jornadas do campeonato que quase nos arredaram do título.

5. Mas para além dos poderes fácticos do futebol português (Pinto da Costa, Fernando Gomes e Joaquim Oliveira) continuarem a manter vivo o sistema, há um outro poder, igualmente iníquo, mais discreto e talvez ainda mais eficaz, que o perpetua e assassina a verdade desportiva no futebol português. Esse poder será objecto do próximo post.


Ver também:

O que é o sistema - Parte II.
O sistema - as transmissões televisivas.

1 comentário:

  1. Dizes com a "colaboração passiva do Benfica". Mas será assim? Ora repara bem no que tinhas dito antes: "denúncias que o presidente do Benfica Luís Filipe Vieira fez (disse ter entregue um dossier à PJ) ... levaram ao processo Apito Dourado" ahh bom. Bem me parecia que o Benfica tinha feito algo. Pelo menos denunciou a podridão.

    Também dizes que "o Benfica cometeu um erro colossal ao apoiar Fernando Gomes para a presidência da Liga (e agora da Federação)" E és capaz de ter razão. Mas também apoiou o Hermínio Loureiro para a Liga e para vice da Federação. E se não fosse o Hermínio Loureiro e a sua presidência mais limpa dos últimos anos não teríamos sequer o apito final e alguma justiça ainda que escassa.

    Ou seja, o único presidente que ainda fez alguma coisa, mas insuficiente foi o LFV. Só não deu mais resultados porque a corrupção não acaba no futebol. Quando um juiz se deixa subornar pelo FCP a troco de uns bilhetes para um jogo para interceder num processo de divorcio de um jogador está quase tudo dito!

    Num pais com justiça as denuncias do LFV tinham sido mais que suficientes para acabar com o sistema. Cá em Portugal nem para beliscar quase que serviu!

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