segunda-feira, 21 de maio de 2012

Cultura de vitória - Parte II

A perda de identidade do Benfica, aliada ao esmorecimento do seu espírito de vitória, levou-o à actual situação.
No último jogo com o Porto (na Luz, 2-3), foi bem visível, para quem gosta de analisar as coisas, que o Porto entrou melhor no jogo. Mais forte, mais seguro, mais confiante, com mais garra e vontade de vencer.
O facto do Benfica ter perdido com um golo em fora de jogo e ter visto um jogador seu injustamente expulso não altera este facto.

É preciso perceber por que razão isto acontece recorrentemente. A meu ver será talvez a mesma razão que faz com que o Benfica tenha sistematicamente falhado nos momentos decisivos das últimas décadas, com uma ou outra excepção. Este facto está aliás, melhor do que em qualquer outra competição, espelhado na contabilidade das Supertaças: em 27 presenças, o Porto ganhou 18 (66,6%). Em 15 presenças o Benfica ganhou 4 (26,6%). Em onze finais contra o Porto, imaginem quantas o Benfica ganhou. Pois é... uma! Perdeu 10!

É preciso inverter esta situação, o que se faz de várias formas.

Em primeiro lugar, o Benfica precisa de ter bons jogadores e treinadores, o que objectivamente já acontece hoje. Veja-se como Ramirez e David Luiz se sagraram campeões europeus pelo Chelsea - e que papel tiveram nessa conquista! (a propósito os meus parabéns para estes dois grandes atletas) - e Di Maria campeão de Espanha.
Rodrigo e Nélson Oliveira são avançados de enorme qualidade e características singulares e Cardozo, apesar de ter alguns problemas de motivação ou convicção e algumas limitações no plano técnico, é um avançado de topo - dos que marcam golos, que é o mais importante. No meio campo também há enorme qualidade, desde o meio às faixas. É na defesa que o Benfica precisa de melhorar, sobretudo ao nível dos laterais. A direcção do Benfica tem que trabalhar. É nestes pormenores que a estrutura tem que se sobrepor ao treinador na identificação das necessidades e prioridades de um plantel, deixando claro que nenhuma teimosia se pode sobrepor aos interesses colectivos.

Em segundo lugar, há que definir um modelo de jogo e jogadores para o interpretar. O Porto fez isto nos anos 80, com um modelo sobretudo assente na segurança defensiva e foi ajustando este modelo ao longo dos anos, dotando-o de características mais ofensivas mas sem perder a identidade. Cultivou um jogador "à Porto", que trabalha e batalha muito e não vira a cara à luta. No Benfica, pelo contrário cultivou-se demasido a estrela e o vedetismo. É preciso mudar isto, inculcando nos jogadores a mentalidade de que a equipa e o clube estão sempre acima dos interesses individuais. Jesus conseguiu implementar um modelo ofensivo, adequado à matriz histórica do Benfica, mas teve duas pechas fundamentais, que a estrutura de apoio técnica e directiva deveria ter corrigido: fez uma equipa sem portugueses (o que dificulta a recuperação e preservação da mística e raça benfiquistas e uma identidade de equipa que perceba a realidade da rivalidade Benfica-Porto e saiba interpretar o sentimento dos adeptos quando defrontamos este adversário) e o descurar da solidez defensiva.

Quanto à primeira lacuna, que resulta também de uma falta de qualidade da formação do Benfica, parece estar-se a trabalhar para a colmatar mas é preciso fazer mais, apostar mais em jogadores portugueses e da casa. Não apenas contratar mais portugueses mas também usar mais os que já temos, como Miguel Vítor, que nunca nos deixou mal e merece mais oportunidades, seja no centro da defesa, seja à direita. Quanto à segunda, há que contratar (ou recuperar os emprestados) defesas laterais de qualidade.

Mais uma vez resulta claro dos dois parágrafos anteriores que o Benfica precisa de uma estrutura mais sólida, que apoie o treinador, que o proteja e preserve (também em relação às polémicas com as arbitragens) e que o chame à razão quando necessário. Pois todos, até os melhores, erram e Jorge Jesus tem errado com alguma frequência nos últimos anos. Uma boa estrutura de futebol, profissional e competente, poderia ter evitado alguns dos erros.

Em terceiro lugar, há que trabalhar a mentalidade e o lado psicológico dos jogadores, no respeitante aos jogos decisivos, através da afirmação da identidade benfiquista. Há que afirmar os valores benfiquistas, o seu espírito desportivista e leal, o seu carácter e seriedade (acabem com os speakers por favor!, assim como com manobras patéticas como apagar as luzes e discursos mal medidos e errantes), bem como a sua dimensão mundial. Este aspecto tem que ser constantemente valorizado, pois o Benfica é um clube ímpar, com adeptos e Casas por todo o mundo. Esta dimensão que as Comunidades Portuguesas e os países de Língua oficial Portuguesa dão ao Benfica, de integração, sem discriminação entre estatuto ou raça, tem que servir para afirmarmos a nossa diferença e identidade em relação a um clube que se assume regionalista e que prima pelo fomento do divisionismo da sociedade portuguesa.

Em quarto lugar, há que, também no plano da moral e da mentalidade, recuperar e fomentar nos jogadores e técnicos uma cultura de vitória e de grandeza, que infelizmente não tem existido nos últimos anos. Uma cultura de ambição, de desejo de conquista de títulos. Hoje os benfiquistas têm medo de perder. Amanhã têm que ter sede de ganhar. O Benfica tem estado nas grandes decisões, mas tem perdido a maioria, precisamente por medo de falhar, por tremer nos momentos decisivos, por achar que algo pode correr mal e por isso correrá mal. Alterar este estado de coisas passa pela liderança do Benfica, Presidente em primeiro lugar, mas também por todos os benfiquistas que têm sido demasiado descrentes e ansiosos nos últimos anos.

Fazendo o trabalho, como tem que fazer, com rigor e disciplina, com a qualidade que existe e libertando-se de medos e fantasmas, o Benfica tem todas as condições para vencer. Percamos então o medo de falhar e substituamo-lo pelo espírito de conquista - não de um mas de muitos títulos. A vitória do Chelsea na Liga dos Campeões e da Académica na Taça mostrou mais uma vez que não há imbatíveis e que a vontade e a determinação, quando se está convicto do que se está a fazer e do emblema que se representa, são factores decisivos. A ambição do Benfica tem que ser a de estabelecer um domínio a nível interno que lhe permita dar o salto para um patamar europeu, a que só episodicamente temos acedido, quando temos condições para dele fazer parte.

Por fim, o Benfica tem que batalhar sempre pela Verdade Desportiva, assumindo-se como defensor intransigente da Justiça no jogo e nas competições, do que temos amplamente falado em diversos posts.

Se estes princípios forem inculcados nos benfiquistas, a começar pelos jogadores e acabando nos adeptos, afirmando-se sempre o clube pela positiva, sem insultos aos adversários, sem ser contra ninguém mas sempre tendo presente a responsabilidade que acarreta a sua dimensão, o Benfica entrará num novo ciclo de vitórias. Que ele comece já na próxima época e que estejamos daqui a um ano a festejar a "dobradinha" (e já agora também com a Taça da Liga, se possível) são os meus desejos de fim de época.

1 comentário:

  1. EXCELENTE!
    Permite me apenas discordar na análise do plantel quando se fala do meio campo.Na minha opinião os nossos planteis dos últimos dois anos ficam aquém em quantidade e qualidade nessa zona.Na zona central parece me que seria importante ter mais jogadores com pulmão e sobretudo com capacidade de efectuar com semelhante qualidade a vertente defensiva e ofensiva,talvez assim fosse mais fácil de evitar o habitual estoiro que a equipa dá por meados de Março.
    Quanto ás faixas a qualidade existe mas confesso que me faz um pouco de confusão termos por lá jogadores como Gaitan ou Bruno César que ao longo das suas carreiras não jogavam junto á linha..contribui na minha óptica para as fragilidades defensivas que apresentamos nas laterais já que estes jogadores não teem pulmão nem cultura táctica para ajudar o lateral!
    Saudações.

    De Todos Um

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